“Todos somos consumidores” é como John F. Kennedy inicia sua mensagem especial dirigida ao Congresso norte-americano no dia 15 de março de 1962. A frase ganhou notoriedade décadas depois. A data serviu como inspiração para a Organização das Nações Unidas (ONU) instituir o Dia Mundial do Consumidor.
Do toque matinal do despertador até os últimos minutos da noite, realizamos, mesmo sem notar, inúmeros atos de consumo. Exercitamos a condição de consumidor ao longo do dia: compra do pão na padaria, transporte coletivo ou individual, consumo de água, energia elétrica, telefonia, abastecimento do veículo, serviços de acesso à internet, uso de smartphone e suas funcionalidades, serviços bancários, compras no supermercado etc.
É possível contar e concluir que, num único dia, exercemos direitos como consumidores, no mínimo, em dez ocasiões diferentes. Multiplique-se o número por cem milhões — aproximadamente metade da população brasileira — e chega-se a um bilhão de atos de consumo por dia no Brasil.
Kennedy estava certo e, com o correr dos anos, sua assertiva ganha dimensão diferenciada num mundo cada vez mais capitalista e consumista. Os conflitos com os fornecedores são inevitáveis e frequentes. Ainda que pequeno percentual do número de lesões chegue ao Poder Judiciário, é inevitável haver grande demanda e exigência de profissionais do Direito para lidar com a área. Os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça indicam que o tema Direito do Consumidor está entre os mais demandados na Justiça estadual.
O último relatório Justiça em Números do CNJ aponta o Direito do Consumidor como o segundo tema mais questionado na Justiça estadual e o primeiro nos juizados especiais dos estados. Em contraste, a disciplina Direito do Consumidor, apenas em minoria das faculdades de Direito, é matéria obrigatória.
O Ministério da Educação ainda não percebeu a importância de oferecer a disciplina Direito do Consumidor nas grades curriculares. Ignora as estatísticas do CNJ: a matéria não está entre as disciplinas obrigatórias indicadas pelo MEC.
Se é possível afirmar que um dos objetivos das faculdades de Direito é preparar o estudante para a vida real, é necessário — fundamental — diminuir a distância entre as diretrizes curriculares nacionais do curso de Direito e as habilidades exigidas pelo mercado.
A Lei 9.131/1995 dispõe que incumbe à Câmara de Educação Superior a análise e decisão referente às diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação para os cursos de graduação. No uso de tal atribuição, foi editada, em 29 de setembro de 2004, a Resolução 9, pela Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação. Foram estabelecidos os seguintes eixos de formação: 1) eixo de formação fundamental; 2) eixo de formação profissional; 3) eixo de formação prática.
O eixo de formação profissional é justamente o que abrange enfoque dogmático obrigatório dos diversos ramos do Direito “e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais”. São considerados conteúdo essenciais e obrigatórios: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual. A disciplina Direito do Consumidor, como se observa, não integra o conteúdo obrigatório dos cursos de Direito.
De outro lado, poucas faculdades, no espaço de liberdade que possuem na definição da grade curricular, dão relevância adequada à disciplina. Em muitos estabelecimentos, apesar da eloquência dos números divulgados pelos CNJ e a maioridade do Código de Defesa do Consumidor, ela é simplesmente ignorada.
É verdade que o curso de graduação deve preparar o aluno mais para conhecer o método de resolução de questões jurídicas do que ter contato com absolutamente todas as áreas do Direito. Nesse raciocínio, o conhecimento abrangente dos ramos não seria necessário nem tão importante. Todavia, na definição das disciplinas obrigatórias não se deve desconsiderar as modificações e dinâmicas do mundo real. Não dá para conceber cursos jurídicos que, em dissintonia com a realidade, simplesmente não percebem a dimensão do consumo e do Direito do Consumidor no terceiro milênio.
Leonardo Henrique D’Andrada Roscoe Bessa – Sócio do SPRB Advogados